O DUELO

Negra e fria noite de um mês que bem poderia ser dezembro ou agosto. Necessidade de chuva, milharal ou plantação de cebola a ressentir. Sei não... Projeto de lua nova, fim de minguante. Qualquer coisa assim, data que não me recordo com precisão. Dias desses - melhor dizendo - noite dessas opacas e omissas, não fosse o encontro que tentarei narrar.

Lá pelas bandas da CACHOEIRA, vindo de caminhos opostos, seguindo por estradas diferentes, defrontaram-se a CULTURA e a POLÍTICA.

A CULTURA de bengala, cansaço visível diante de uma luta inglória. A POLÍTICA de guarda-chuva em punho, colete e "sobretudo", distribuindo sorrisos e promessas.

            Há muito os dois se evitavam. Um por sentir as suas esperanças à porta da miséria, o outro por não ter como se explicar. Como tudo tem seu dia, o inevitável aconteceu.

Enfim a CULTURA e a POLÍTICA cara-a-cara, resmungos e caretas, cuspidelas no chão... Diálogo de envergonhar Camões e Bilac, de fazer inveja a Bocage e ao QUIRINO. Nome de mãe, ir-e-vir a lugares incomuns tornou-se a tônica da conversação. Não fosse a intervenção do ESPIÃO, sempre presente nos locais improváveis, haveria morte. Aparteando-os e tentando controlá-los, o ESPIÃO contou com a pronta colaboração do SAPÉ, caminhante incansável nas madrugadas em busca de inspiração e sossego.

            A única saída plausível e aceitável foi marcar um duelo no estilo antigo e clássico. Consideraram como local mais indicado, a saída da antiga estrada para Ubá, pouco após a gameleira centenária, na primeira curva. Como padrinho de arma a CULTURA escolheu o ATENEU SAPEENSE, a POLÍTICA preferiu a AREG.

Para testemunhas convidaram A VOZ DE GUIDOVAL, o MARLIÉRÈ, o GUIDOVALENSE, O SAPÉ, o SACA-ROLHA, o SAPEENSE, o TURUNAS e o ESPIÃO.

Ninguém queira aceitar a responsabilidade de ser o juiz deste evento. Com muito custo, após vasta argumentação o CHOPOTÓ concordou, porém com uma ressalva :

- Serei juiz desde que eu possa ficar a uma distância considerável. Não quero perturbar o meu curso pacato, não desejo complicações com a polícia, já que tais "encontros" são proibidos por lei.

Aliás isto muito contribuiu para que o duelo não fosse preparado e badalado pelos arredores, o que ocasionou a ausência de curiosos.

No dia determinado, que não posso precisar, verão ou outono, todos os envolvidos marcaram presença. As testemunhas, os padrinhos de arma e o juiz CHOPOTÓ a uma certa distância como combinado.

A CULTURA chegou um pouco mais cedo. A POLÍTICA, como de costume, atrasou um pouco devido a burocracia. Num clima de suspense e inquietação a CULTURA escolheu como arma a "palavra", a POLÍTICA ficou com a "meia-palavra".

O CHOPOTÓ deu o sinal de longe, numa época em que a poluição em nome do progresso não agredia. Contaram-se os passos. Viraram-se ao mesmo instante. A CULTURA mais rápida lançou no ar:

- Inútil !

Não afetou e nem tampouco sensibilizou a POLÍTICA. Esta por sua vez, milésimos de segundos depois, antes mesmo que o eco se consumisse (inútil) no vale vociferou:

- Fé-da-pu...

O bastante para fulminar a CULTURA. Acorreram-se todos juntos à CULTURA. Nada havia a fazer. Constataram-se o óbvio e o óbito.

Marcaram o enterro para o dia seguinte. Entretanto na hora de mudar a roupa da CULTURA, o seu fiel amigo SACA-ROLHA, percebeu leve pulsação. Não divulgou o fato para causar impacto, alvoroço.

A CULTURA não estava morta e sim num estado de catalepsia. De comum acordo o SACA-ROLHA e o ESPIÃO, sempre sabendo das coisas, resolveram escondê-la em local adequado, para que mais tarde pudesse ser medicada.

No caixão colocaram cinzas e não deixaram que ninguém o abrisse no velório para o último adeus.

A POLÍTICA e a politicagem fizeram quarto entre lágrimas de pesar e fingimento. Houve o enterro, sino, choro e missa. Só ninguém sabia exceto o SACA-ROLHA e o ESPIÃO, que estavam enterrando as cinzas da ignorância.

Hoje algumas pessoas idealistas andam à procura de médicos e enfermeiros que consigam tirar a CULTURA deste estado cataléptico.

O local onde sucedeu o duelo o povo resolveu denominá-lo de "CURVA da MORTE".

Verbetes para quem não conhece a história da cidade de GUIDOVAL

Publicado no jornal SACA-ROLHA em 27/08/77 e Setembro/77 (Nºs 12 e 13)