Cidade de
GUIDOVAL: http://www.guidoval.net.brBARBEARIA
Na década de 60, poucas residências tinham TV. As fontes de informações e entretenimento eram as barbearias, sapatarias e alfaiatarias. Nelas se comentavam de tudo. Resenhava-se o cotidiano. Falavam do futebol à religião, de política às inevitáveis fofocas.
Mas não havia nada igual à barbearia do Sô Nilo, um habilidoso instrumentista na arte de executar o violão e o banjo. Era só principiar a noite para ele guardar os seus apetrechos de barbeiro e montar uma pequena casa de show. Surgiam amplificadores, caixas de som, plugues, maracas, afoxés e outros instrumentos. O salão de barbearia se transformava num palco. A Rua do Fundão virava uma casa de espetáculo, interrompida por uma multidão que, atenta, parava para escutar o sarau. Aos poucos, iam aparecendo os protagonistas da sessão. O Sr. Odilon Reis com o seu sonoro violino; Jeová e sua possante voz lembrando o Vicente Celestino; Sô Lau e o inconfundível pandeiro; Josias do Pombal (cantor e compositor inspirado), Zé do Fio (Barão) de possante e apaixonada voz; José Occhi (Bijica) de melodiosa voz tão bonita como a de Orlando Silva; Vicente do Dario do Chico do Padre (voz e percussão); Bebeto Ramos, Landinho Estulano e Zé do Gil (cantores). É a esta barbearia que me refiro numa canção "Vestígios e Falência de nossas Festas, Cultura e Tradições", feita em 1.982 em parceria com a minha esposa Maria de Lourdes Ribeiral Vieira.
CHOPOTÓ
Rio que corta, de norte a sul, todo o município de Guidoval. De um passado piscoso, hoje a poluição teima em tirar-lhe a beleza e vitalidade. Resiste. Manso, deságua no Rio Pomba e faz parte da Bacia do Rio Paraíba do Sul. Serviu de trilho, apoio e caminho, ao catequizador francês Guido Marlière no seu itinerário desbravador. Já teve até alguns trechos navegáveis. Atualmente, o Movimento Ecológico Guidovalense ( MEG) tenta-lhe resgatar a dignidade, tarefa das mais difíceis. O samba-enredo protestando contra a sua poluição foi feito e apresentado, pela primeira vez, em 1.979.
GATO PRETO
Samba de Zé Manga Rosa que ficou famoso na cidade e adjacências. Possui uma letra excêntrica, uma melodia audaciosa e ritmo irresistível.
LAVRADOR
Dos homens que constróem este país, sem dúvida, o lavrador é o mais abandonado à própria sorte. Sempre esquecido e negligenciado, nem por isso deixa de plantar o pão nosso de cada dia. Extraem da terra a seiva que nos alimenta. Daí a minha reverência a este bravo cidadão.
MARIA BENZEDEIRA
Famosa por curar espinhela caída, mau olhado, contusões de jogadores de futebol e até mordida de cobra, dizem... Do povo conquistou o nome da rua em que reside em detrimento a um antigo 5 de julho e um hoje um esquecido Cesário Alvim.
NOMEs POPULARES
(logradouros públicos)Os políticos se homenageiam em nomes de ruas, praças e monumentos. O povo costuma desconhecer esta vaidade e veleidade comum, normal e humana. Inventa outros nomes que vingam, tomam forma e resistem ao tempo : Rua das Flores, do Campo, Sacramento, Largo, Pracinha, do Alto, Saudade, do Sapo, da Cachoeira. Na samba-enredo (integral) "Vó Elisa, nossas ruas - nossa história", de 1.981, são lembrados ainda a Rua dos Tocos, Esquina, Fundão, Morro do Trajano, Corta-Rabo, Niterói e Vai-e-Volta.
SÁ LÓDIA
Lavadeira, dona de casa, mãe e avó. Na sua idade mais avançada começou a dizer as suas verdades, o bastante para ser considerada sem juízo. As verdades dos outros, quase sempre, não são as nossas verdades. Isso incomoda. Desbocada, tinha um repertório de todos os palavrões críveis, incríveis e mais alguns criados pela sua mente fértil. Morava numa ladeira cujo nome oficial é Rua Vereador Manoel Reis. O povo mudou para Morro da Sá Lódia.
SALIM
Apelido carinhoso do Professor Ibsen Francisco de Sales. Nasceu na Fazenda do Progresso (Rodeiro) em 1.920. Aos quinze anos mudou-se para a Fazenda Santa Cruz, no distrito do Sapé de Ubá, hoje município de Guidoval. Sobrinho de poetas, desde cedo interessou-se pela literatura. Lecionou Português a várias gerações de guidovalenses, nas décadas de 60,70 e 80. Antes, exerceu a profissão de prático de Farmácia por muitos anos. Fez Curso de Auxiliar de Enfermagem pela campanha Nacional contra a Tuberculose, tendo trabalhado nesta profissão em Belo Horizonte nos anos de 1.954 e 1.955. Ainda na década de 50, editou o jornal O ESPIÃO que escrevia todas as notícias por trocadilhos. É também Poeta e Charadista. Recita com verve, comum aos grandes trovadores, o texto "RAPSÓDIA NEGRA" de Martins Fontes, onde fez uma inspirada adaptação, transformando-o de prosa em poesia. Fomos companheiros de boemia, na década de 70. Tenho o privilégio de privar-me de sua amizade.
SANTANA
É a padroeira da cidade de Guidoval, a gloriosa matrona SANTANA, ditosa Mãe da mais esclarecida Filha, a Virgem Maria, Mãe do Redentor do mundo. Filha de Estolano e Emerenciana, ambos da real descendência do Rei Davi. Nasceu na cidade de Belém. Casou-se com São Joaquim, que vivia em Nazaré, cidade da Galiléia. Relatam-se vários casos de milagres, por sua intercessão. É considerada, portanto, Milagrosa, a quem se deve recorrer, em momentos de angústia e aflição. Seu dia é comemorado em 26 de julho. Nesta data também comemora-se o "Dia do Guidovalense", a maior festa do município.
Tatal
Industrial, tem uma microempresa. Mantém a tradição da família no ramo moveleiro. Seu nome é Benvindo Martins Ferreira. Reside à Rua São Sebastião, mas todos a conhecem pelo seu apelido: "Morro do Tatal".
TILÚCIO
Nome pelo qual Raymundo Francisco é mais conhecido. Funcionário público aposentado na prefeitura municipal. Folião, músico e carnavalesco, pintor de muros, murais, faixas e propagandas. Fundador e atual Presidente da "Agremiação Calouros do Samba". Toca Contrabaixo, prato e Bumbo na Corporação Musical Belarmino Campos.
TUNIQUIM
Trabalhador braçal, era especialista na confecção artesanal do fumo de rolo. Mesmo laborando numa atividade que facilmente suja as roupas, andava limpo e engomado, cuidados especiais de sua dedicada esposa, a D. Maricota. Enquanto viveu, o preto Tuniquim, cabelos grisalhos e face sorridente, alegrou várias gerações de crianças da Rua do Campo (Padre Baião). Quando cruzava com a meninada dava vazão e razão à canção folclórica e popular entoada pela molecada : " Seu Tuniquim... quim... quim.../Da perna torta... tá... tá.../Que se casou... zô... zô.../Com a maricota... tá... tá... "
VÓ ELISA
Vó Elisa nasceu no dia 11 de fevereiro de 1.888. Filha da parteira Afra Tereza, de tanto acompanhar a mãe, aos 20 anos já fazia partos sozinha. Segundo sua filha Maria Leopoldo (também parteira) Vó Elisa realizava, em média, de 1 a 2 partos por dia. Apesar de raro, houve ocasião em que ajudou a vir ao mundo até 4 crianças, num só dia. Por mais de 60 anos fez partos em Guidoval e nas cidades vizinhas, principalmente em Ubá e Visconde do Rio Branco. Não se sabe ao certo quantos partos foram feitos por ela, mas pode-se calcular em números superiores a onze mil, sem medo de errar. Além do parto, cuidava do resguardo das mães, providenciando a canja e o repouso necessário. Se preciso fosse, até brigando com os maridos mais insensíveis. Casou-se por duas vezes. O primeiro marido chamava-se Jeremias Marcelino Dias, o segundo era conhecido por Sô Nicolau. Teve 13 filhos, 22 netos e 35 bisnetos. Gostava de festas. Ia a bailes com o marido. Festeira, com freqüência, ia e promovia festas em sua casa. Dominando a arte culinária, era chamada para fazer doces e jantares. Exímia na arte do croché, confeccionava lindos trabalhos artesanais. Viveu mais de 84 anos, falecendo no dia 03/101972. É, sem a menor dúvida, umas das personalidades mais importantes na história de Guidoval.
WILTON FRANCO
Médico, humanista, pintor talentoso, autor da bandeira do município de Guidoval. Colaborador de vários jornais da cidade. Meu amigo e conselheiro. Nas serenatas, o companheiro presente; nas escaladas da Serra de Santana, um dos idealizadores; nos passeios ecológicos, o guia entusiasmado; num tempo em que não se preocupava com o meio ambiente. Um dos líderes da nossa "Turma da Rua Santa Cruz", donde guardo amigos e boas recordações. Dedico-lhe, em nome de todos, a canção "Amigos e Madrugadas". Faleceu precocemente, aos 48 anos, em 27/10/1992.
ZÉ BENTO
Nasceu José de Souza. Cresceu boiadeiro, amigo e afilhado de meu pai, o prefeito José Vieira Neto (Zizinho do Marcílio). Por diversas vezes, acompanhou meu pai na missão de levar boiadas, em lombo de cavalo, pelas veredas de Minas, descendo a Serra do Mar, rumo ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Viagens prá mais de mês. Na mocidade, andava sempre com um vistoso chapéu de vaqueiro à cabeça; lenço colorido amarrado ao pescoço. Garganteava melopéias aos bois da comitiva e modinhas, em serenatas, às moçoilas casadoiras. O povo só conhece a rua onde ele mora pelo seu apelido, mas oficialmente os anais registram como Tiradentes. Tem umas vaquinhas de onde tira o leite, vende e serve de sustento à família. Apascenta uns cabritos, engorda uns porcos e aumenta a renda familiar como ferrador de cavalos. Religioso, é espírita e atreve-se a dar "passes" em quem acredita nos seus poderes mediúnicos.
ZÉ MANGA ROSA
Assim era conhecido José Martins Ferreira. Marceneiro por ofício, aptidão comum à família. Violonista habilidoso, seresteiro e boêmio. Muito jovem, refugiou-se na bebida alcoólica para afugentar a tristeza de ter sido abandonado pelo grande amor de sua vida. Tornou-se um andarilho bem antes de ser comum, perambular sem destino. Um hippie, antes da época. Morreu na vizinha cidade de Visconde do Rio Branco e lá foi enterrado com indigente. Compôs algumas músicas entre elas "Gato Preto", "Mariza" e "Malandro-e-meio", canções conhecidas pelos violeiros da cidade, nos anos 70. Nos momentos de lucidez, com paciência, ensinou-me uns acordes para violão.