Primeiro time de futebol do Sapé

 

         Em 1974, eu e o amigo Wilton Franco, resolvemos entrevistar personagens e personalidades de Guidoval. Com um gravador mixuruca e um sonho sem tamanho saímos registrando reminiscências. Gravamos depoimentos da Tia Sinhá e Carmen Cattete, Sô Marcílio Vieira (meu avô), Sô Trajano Viana e D. Nininha. De quebra registramos o assombro do futuro Governador Ozanan Coelho com a vitória estrondosa do PMDB nas eleições daquele ano para o Senado.

         Sô Trajano, uma espécie de líder cultural, falou sobre tudo, os jornais antigos de Guidoval, o Ateneu Sapeense, Bandas de Música, o motivo dos nomes populares de algumas ruas e o início do futebol em nossa terra. A esposa D. Nininha Mendonça, farmacêutica, dramaturga, revelou-se uma ótima memorialista, sempre completando alguns lapsos do marido.

         Quando o assunto passou a ser futebol, D. Nininha, feliz, disse “Quem deu vida ao futebol foi ele (Trajano) e quem me deu ele foi o futebol."

         Trajano, que chegou ao Sapé em fins da década de 20, emendou: “Eu encontrei parado o futebol, mas o campo existia lá no Largo (Praça Santo Antônio). Muito bem organizado o campo. A estrada antiga do governo, Ubá-Cataguases, cortava o campo ao meio. Ia da casa do Mundico até ao Córrego da Lajinha. Tinha mato, pasto, vassoura.

         O primeiro clube que organizaram aqui foram uns rapazes (de fora) que vieram para fazer tratamento da verminose da população. Foram instalados postos de profilaxia em todo Brasil. A pessoa fazia exames de fezes e tomava o remédio no próprio posto. Não davam o remédio para levar para casa não.

         No meio desses rapazes que vieram, uns quatro ou cinco, tinha uns três que gostavam de futebol, mas muito! Nessa mesma época tinha um sujeito muito entusiasmado, que estava fazendo a estrada daqui para Ubá, a picareta, chamava Antônio Joaquim Carneiro. E o primeiro time de futebol ficou com o nome dele: Antônio Joaquim Carneiro Futebol Clube. Isto foi por volta de 1922, 1925.

         Depois nós fundamos, lá no Largo mesmo, o Sapeense. Já o Cruzeiro começou a surgir na Rua do Alto. Iam construir a Igreja de Nossa Senhora Rosário que não se concretizou. E lá existia um Cruzeiro que custou a cair. De tanto o pessoal falar vamos jogar no cruzeiro, cruzeiro praqui, cruzeiro pralá, acabou ficando Cruzeiro. Se não me engano foi em 1934 a fundação. Não foi como o de Belo Horizonte que mudaram de Palestra Itália para Cruzeiro por causa da guerra, essas coisas.

         Sobre os bons jogadores da época, Trajano, lembrou de “Armando Luiz, irmão do Juca Alfaiete. Talvez como beque não apareceu outro igual, com a facilidade para subir e para cabecear, a não ser o Tuninho Estulano, no linha. Foram os dois melhores cabeceadores que eu já vi aqui.”

         Sobre o Calixto, pai do Lilico, avô do Agnaldo, bisavô do garoto-artilheiro Carlos Roberto, Trajano Viana falou “era um jogador de estilo completamente desengonçado, feio, não tinha chute, mas era um furador de gol.” D. Nininha, complementou “Piraúba". Trajano, continuouele furou um gol aqui no Aymorés de Ubá (cinematográfico). Ele passou pelo sujeito na estrada, o sujeito calçou, ele perdeu o boné, caiu, levantou, veio, voltou, apanhou o boné, pôs na cabeça, e ainda furou o gol. O Álbero Campos é que conta melhor... Aliás, o Álbero foi um grande chutador. Tinha uma potência no pé esquerdo... Teve uma época que o Áureo Ribeiral jogou muito futebol... Outro defensor  (espetacular) foi o Elier...”

         Sobre os treinos daquela época, Trajano Viana disse “hoje ninguém adota mais, este tipo de brincadeira. Dez minutos antes de acabar, punha-se a bola ao centro e era chamado de jogo livre. Valia tudo. Empurrão, calçar pé, puxar calção, E tudo quanto era coisa... Agora era à vontade... De vez em quando algum machucava... E tinha lá um dia ou outro, resolviam tirar o calção de um dos jogadores... Tirava mesmo... e ele ia sem calção para casa.” Mas isso fica para outra história...