Miséria da Alma Humana

Fecha o semáforo da avenida Francisco Sales com avenida Brasil, coração boêmio do Bairro São Lucas, frente ao barzinho TAROT. Paro o carro.

São quase 13:00 Hs, início do mês de junho, que apesar de outono no fim, já se prenuncia em frio de inverno belo-horizontino, através de seu vento miúdo e renitente.

Sentado na lateral, da rua, o paraplégico, esmoler, descamisado literalmente, expõe a mudança do tempo, através dos poros de seu dorso desnudo, pele, pelos empolados e hirtos.

Ironia, ou não; do destino, momentos antes, havia eu tirado do porta-malas, de meu carro, uma blusa, que herdei, de meu pai, após a sua morte. Por prudência, nesses tempos instáveis, deixo-a sempre ao meu alcance. Naquele instante, encontrava-se estirada no banco do carona.

O sinal permanece fechado.

O mendigo, contrariando o costume instintivo, nada me pediu. Desgraçadamente, batia fortemente com as mãos às pernas inertes. Gesto de revolta e desespero? Chantagem emocional? Fúria dos desamparados a praguejar a sua sina ? Não importa. Pus-me a refletir.

O vermelho do farol, daltonicamente imutável.

A blusa cinza que poderia agasalhar o pedinte, bem ao meu lado.

Fiz tenção em tirar uma moeda qualquer e dar ao pobre que nada me pedira. Não tinha moedas na carteira ou outra quantia insignificante que se costuma dar aos infortunados.

Pensei em meu pai, na sua benemerência conhecida e reconhecida em Guidoval, pequena cidade mineira, da Zona da Mata. Assenti, com meus botões; meu pai lhe daria a blusa incontinenti.

Cogitei em lhe dar a blusa de meu pai. Cismei, será que é isto que o meu pai quer, seja de onde estiver? Meditei, alguém está me colocando à prova?

Capetinhas e querubins, do sim e do não, ziguezaguearam meu pensamento, argumentando e contra : "Estás querendo comprar uma passagem para o céu"; "Insensível, desumano, egoísta"; "são francisco do asfalto poluído"; "quixote das causas perdidas".

A sinaleira, nada de mudar a cor.

De soslaio, fui extraindo estas observações, não tive coragem de me fixar na fragilidade do ser humano prostrado ao chão, ao meu lado.

Tive tempo de raciocinar sobre a falência de nossas instituições, e arregimentei álibis e cúmplices, nos nossos governantes, que não conseguem, pelo menos; cuidar dos menos favorecidos, das crianças, dos velhos. Emas em palácios calafetados.

Indiferente aos meus devaneios, o sinal de trânsito, por fim mudou para o verde, sem esperança. O tráfego, a vida seguindo o seu fluxo. Arranquei o veículo, fui para o serviço, com a alma mais fria.

05/06/95