Sonho Feliz

Zé Fenderracha nasceu para servir. Viveu mais de 86 anos, carregando água potável para as famílias guidovalenses. Às vezes, em troca de um muito obrigado, às vezes por um prato de bóia, na maioria das vezes a troco de nada.

Tocava Bumbo ou Prato nas corporações musicais. Suspirava em sua doce flauta, melodias para virgens moiçolas ou floreava bemóis sufocados por estridentes sustenidos de pistons em noites carnavalescas.

A vida nunca lhe reservou os primeiros lugares, o proscênio; percorreu-a pelas margens, com decência, com altivez, sem soberba.

Meu pai, minha mãe, minha família sempre o trataram com dignidade. O parentesco existente devia-se a minha saudosa vó-madrasta, Jandira.

Tive o privilégio de algumas confidências e torno-me um inconfidente de um de seus inúmeros sonhos :

" Caminhava sobre o parapeito da ponte, sobre o Chopotó, quando desequilibrou e caiu. Na queda foi colhido por um barco repleto de mocinhas de 15 a 18 anos. "

Encerrou a sua narrativa dizendo-me :

- Sou feliz até nos sonhos.

Quem sou eu, pobre mortal; para duvidar dos sonhos dos puros. Que Deus o tenha.