Escola Agrícola de Rio Pomba (EARP) - primeiros dias

            Esta história, que agora começa, já tem mais de 51 anos. A data exata não posso afirmar com convicção. Buscando nos escaninhos da memória desgastada pelo tempo sei que foi num domingo de 1965.
            Passado tanto tempo, olhando o calendário da época, creio que cheguei na Escola Agrícola de Rio Pomba (EARP) no dia 07 de março de 1965, o domingo seguinte ao carnaval que se encerrara no dia 2 de março. Não me lembro de ter passado algum carnaval na EARP.
            Foi um verão de muitas chuvas e estradas intransitáveis. Só um jeep para trafegar na barrenta e escorregadia estrada que ligava Tocantins a Rio Pomba, pois ainda não tinha o asfalto entre as duas cidades. Estava em construção.
            Saímos de Guidoval no Land Rover do saudoso maçon José Damato. Vivo fosse, teria feito 100 anos no dia 08/02/2016. Fomos espremidos no veículo, os alunos veteranos Antônio de Pádua Ribeiro Ramos e José Márcio Ribeiro Pinto, além do meu pai e eu.
            A escola ainda não estava em funcionamento. As aulas começariam no dia seguinte. Ficamos alojados, pela bondade e hospitalidade, na residência do Diretor Dr. Carlos Martins Bastos.
            Como, naquele ano, houve aumento no número de alunos a serem admitidos na primeira série ginasial, alguns dias depois vieram os conterrâneos José Tarcísio Ribeiro Pinto e Luiz Américo Ferreira, este um amigo que admiro até hoje.
            Com a mania de escarafunchar, resolvi apurar melhor a data exata que cheguei na EARP. Encontrei a dissertação "Por entre memórias e arquivos, interpretações e teceduras: Um mergulho no passado do Centro Federal de Educação Tecnológica de Rio Pomba (1956-1968)" para obtenção de Título de Mestre em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora feito em 2006 pela Dra. Rosana Vidigal Santiago Campelle.
            É um admirável trabalho que resgata um boa parte da história da Escola Agrícola de Rio Pomba. Transcrevo abaixo, pequeno trecho da entrevista do Dr. Carlos Eugênio Martins.

"A coisa que mais me marcou na vida foi o dia em que fui para Rio Pomba... Eu tinha 11 anos. Saí de Rodeiro num domingo, o Fluminense jogava com o Vasco, no ano de 1965 - eu sou fluminense apaixonado. Tinha um trem que passava Ubá/Diamante às duas e meia da tarde. Fomos para a estação num carro de boi. Os bois já estavam tão acostumados a irem em Diamante que eles voltavam sozinhos, mas o pai queria que o João fosse. E eu me recordo que nesse dia a vibração do meu pai era contagiante. Eu subi no carro de boi, atravessamos todo o Rodeiro, chovia barbaridade... Eu via que algumas pessoas olhava o carro de boi, olhava para o meu pai assim... e, na minha meninice, eu percebia que alguns aplaudiam o pai outros pensavam assim: - Poxa! O Agnelo é maluco, um menino grande desse, forte, isso dá um cabo de enxada de mão cheia. Tá mandando o menino estudar?! - Mas ele não desistiu de seu propósito. Aquele foi um dia de glória para meu pai."

            São recordações do menino Cacá. O Cacá da cidade de Rodeiro, também conhecido pelo apelido de Birão. Prefiro Cacá. Um amigo para a vida inteira. Mesmo distantes, quando nos encontramos, o que raramente acontece, é motivo de festa e confraternização.
            Acontece que a data da lembrança da chegada à escola do Cacá difere um pouco da minha. A meu favor tem o argumento que as aulas começavam no início do mês de março e eu não me recordo de ter passado nenhum carnaval na escola. A favor do Cacá tem a sua memória privilegiada, amarrada a sua paixão ao tricolar carioca. Pelo Torneio Rio-São Paulo, o Vasco da Gama venceu o Fluminense por 2 x 1 no dia 20 de fevereiro, um sábado antes do carnaval.
            Mas não tem importância a precisão da data. Há muito o que contar sobre os próximos sete anos da minha vida e de muitos meninos, colegas e amigos, de vários cantos do país. A maioria de Minas, da Zona da Mata. Crianças de famílias humildes que encontraram na Escola Agrícola de Rio Pomba uma forma de dar estudos aos seus filhos.
            E foi na EARP que sai da infância e cheguei à puberdade. Entrei na Escola Agrícola com 12 anos  e saí no Colégio Agrícola de Rio Pomba (CARP) com 19 anos. Técnico Agrícola, formando da primeira turma de 1971.
            Os primeiros dias foram difíceis. Nunca tinha me ausentado da casa de meus pais por mais do que alguns dias. E quase sempre acompanhado de meus pais ou parentes mais velhos, vigiando e tomando conta da gente, em visita aos meus avós na roça, zona rural de Guidoval. Ou então na longínqua Cataguases em visita aos meus queridos Tios Osweraldo (Lalade) Abritta e Maria (Lili) Vieira Abritta. Eram viagens, passeios rápidos, com a segurança dos parentes a nos proteger.
            Acontece que na Escola Agrícola eu iniciava uma nova aventura. Uma nova história começava. Tudo novo. Colegas novos, professores novos, novas regras e rotinas. Os conterrâneos Antônio de Pádua e José Marcio em outras salas de aula, em outros dormitórios, seguindo as suas vidas e obrigações.
            Foi quando a saudade começou a bater no meu peito. Passou o meu primeiro dia (segunda-feira), o segundo dia (terça) e a saudade aumentando. Não tinha telefone, e-mail, facebook, whatsapp. Nada para se comunicar com a família. Só uma saudade crescente, sufocante. E veio o terceiro dia (quarta-feira). Mais saudades. Nestas horas até repreensões e castigos, dos pais, eram lembrados com saudades. Saudades da mãe, do pai, dos irmãos. Dos amigos de infância, da minha Praça Getúlio Vargas. Ah! saudade! De nadar no Rio Chopotó. Jogar peladas nos campinhos da minha Guidoval.  Pescar bocarras e lambaris no Córrego do Rosa, ao fundo do quintal de casa. Tudo era motivo de saudade. Mas homem não chora, "cuméquifaz"?
            E chegou o quarto dia. Uma quinta-feira. Não aguentei segurar a saudade na garganta. Ao entardecer, fui para atrás do prédio da enfermaria. E chorei, o choro mais sofrido dos meus, então, doze anos de vida. Sozinho, chorei sufocado. Acho que naquele dia, naquela hora, DEUS que sempre nos socorre nas nossas aflições, confortou-me com mais carinho. As minhas lágrimas acalmaram a minh'alma angustiada. Sai dali para enfrentar o dia-a-dia da escola, a vida. Era a minha sina. Cresci.
 JK e Dr. Carlos Martins Bastos na inauguração da Escola Agrícola de Rio Pomba em 16/08/1962
Vista Aérea da Escola Agrícola de Rio Pomba